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Início das aulas: Diretor dá boas-vindas à comunidade acadêmica

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Início das aulas: Diretor dá boas-vindas à comunidade acadêmica

Que pode uma criatura senão,
Entre criaturas, amar?

Drummond

Sejam bem-vindas e bem-vindos ao CES/JF neste semestre que se inicia.

A cada semestre existem desejos e expectativas da comunidade acadêmica que se repetem, sejam da parte do corpo discente, dos professores ou dos técnicos-administrativos. Para ir um pouco além do óbvio que se espera dessa comunidade e de seus papéis, a saber: estudantes curiosos e sedentos pelo conhecimento, docentes dedicados e generosos e técnicos-administrativos atenciosos e eficientes, há, aqui no CES/JF, um campo valorativo que também passa por esse eterno-retorno. Na arena dos valores, desejamos e esperamos um ambiente de liberdade de pensamento e expressão, onde todos sejam considerados iguais e respeitados nas suas pluralidades, em uma convivência profícua e tolerante. Por fim, que tenham coragem de superar as dificuldades, problemas ou possíveis limitações visualizadas ou experimentadas percebendo o outro como um ente solidário na caminhada acadêmica. Aqui ninguém está sozinho.

É possível falar sobre a ideia solidariedade e sobre a experiência de estar juntos a partir do termo grego philia, que pode ser traduzido por amor ou amizade. Construindo uma escada aristotélica à maneira cética, não é errado afirmar que, para Platão, pelo menos n’O Banquete, o amor-amizade é uma experiência de desejo que encontra sua motivação na carência ou ausência de algo. A partir de um processo estético e epistêmico, essa experiência revela um outro, não propriamente conhecido a priori. Tal interpretação levou, talvez a partir do romantismo alemão, à compreensão comum de que o amor se resumia à experiência de encontros “miraculosos” ou “mágicos” em locais e tempos preestabelecidos pelo destino, pela natureza ou por entidades divinas. Além de tal forma interpretativa quebrar a associação do amor com a ideia de decisão e escolha, essa vertente contribuiu para o distanciamento entre o amor e a amizade. Não estou dizendo que Platão concordava com isso, contudo, Aristóteles discordaria veementemente das consequências que essas significações podem construir.

Para Aristóteles, o amor e a amizade não são afetos ou experiências submetidas a uma vivência desencadeada por encontros “miraculosos” ou “mágicos” sem levar em conta a decisão e a escolha dos envolvidos. Em outras palavras, o amor perfectum – completo, no caso – ocorre quando escolhemos livremente e decidimos dia após dia continuar amando. Para ele, uma sociedade é boa quando busca as melhores ações, ou seja, quando busca agir de forma virtuosa ou excelente. Isso faz da sociedade humana, entretanto, um lugar altamente competitivo. Apesar da organização e complexificação das instituições ético-políticas e jurídico-pedagógicas, a amizade e o amor são condições indispensáveis para o êxito dessa sociedade, pois eles são espécies de cola ou argamassa que uniriam essas estruturas e superestruturas de forma a possibilitar uma vivência solidária e não solitária.

Giovânio Aguiar - Diretor Geral CES/JF

De acordo com Aristóteles, nos livros VIII e IX da Ética Nicomaquea, há três formas de amor ou amizade, as quais só existem se os motivadores do amor podem ser expressos coletivamente. Ama-se por utilidade, por prazer ou pelo caráter do outro. A amizade por utilidade pode ser experimentada em virtude de um “bem” que recebemos. Ela existe enquanto houver experiências ou trocas úteis aos amantes. No caso da amizade por prazer, ela pode ser experimentada em virtude da agradabilidade gerada. Ela existe enquanto houver experiências ou trocas prazerosas entre os amantes. Por fim, a amizade por caráter pode ser experimentada em virtude do que outro é e não pelo que dele recebo ou a ele dou. O que sustenta essa forma de amizade é a própria ideia de excelência ou virtude. Como foi dito acima, uma forma de vida ética que se resume na melhor forma de vida para um determinado contexto. Nesse tipo de amizade, os amantes desejam uns aos outros pelos valores que estes possuem, os quais se coadunam e se completam. Mesmo que vivam em uma pluralidade existencial, axiologicamente há uma experiência de igualdade. Adélia Prado resume muito bem essa ideia em seu poema Amor Feinho, quando fala: “Amor feinho é bom porque não fica velho. Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é”.

Não entendamos que esse tipo de amizade é algo desencarnado e puramente metafísico, muito pelo contrário, ela engloba os dois anteriores. Logo, ela não deixa de ser útil e agradável para si e para o outro. Entretanto, diferentemente dos outros dois, ela não é instantânea. Ela demora, isto é, depois da escolha e decisão deliberada esse amor exige convivência e consequentemente disposição mútua e recíproca dos amantes. Para isso, requer hábito (héxis) e afeição (páthos). Não é algo mágico e romântico, mas uma construção árdua, cotidiana, complexa e muitas vezes problemática. Ela se remete a um ditado que aprendi com meu finado pai e que aparece no Diálogo sobre a Amizade de Cícero, o qual diz: “para serem perfeitos amigos, é necessário que tenham comido juntos muitos alqueires de sal”.

Os melhores cidadãos são aqueles que conseguem amar de acordo com essa terceira forma de amizade. Como adverte Drummond: “Que pode, pergunto, o ser amoroso, sozinho, em rotação universal, senão rodar também, e amar?” Em uma sociedade onde os seres humanos praticassem cotidianamente a relação afetuosa com vistas no que o outro é e não devido a utilidade ou prazer que dele se usufrui não seria necessário se preocupar nem com a Justiça. Longe disso, cada um estabeleceria um cuidado solidário e não solitário, construído sem vícios e desvios morais. As relações sociais seriam experiências de cuidado mútuo que gerariam uma rede de apoio e sustentação amorosa e afetuosa.

O amor aristotélico pode gerar em nós a imagem de uma experiência de amizade e de sociedade utópica. Contudo, acredito que todos vocês, singularmente, já devem ter tido uma ou mais experiências desse tipo de amor e amizade que aqui descrevi. Ela não é algo que nunca ocorreu e que não acontece no mundo. Possivelmente, você e alguém que você ama são provas vivas disso. Sendo assim, gostaria de fazer uma sugestão para este semestre letivo: sugiro que nossa experiência acadêmica gere uma grande rede amorosa. Acreditando no que afirma Manoel de Barros: “é mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez”, vou objetivar de forma muito simples e prática essa “tolice”.

Sugiro ao corpo discente escolher, aleatoriamente ou não, uma aluna ou aluno, de preferência que você ainda não conheça. Depois disso, se aproxime dessa pessoa e se apresente e pergunte “como ela está” e, por fim, se se comprometa a todos os dias que você estiver no CES/JF procurar a pessoa escolhida e perguntar: “como você está”?

Sugiro ao corpo docente e técnico-administrativo o mesmo gesto, mas entre vocês. Acredito que dessa forma nossa experiência acadêmica em 2020 será emocionante e concretizaremos o poema drummondiano que afirma que o amor é “primo da morte e da morte vencedor”.

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